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Quando saímos à rua, que lugar queremos encontrar? propõe a criação artística como ferramenta para reimaginar o contexto urbano e devolver um sentido político e participativo ao espaço público.
Num tempo marcado por desigualdades territoriais persistentes, crises ecológicas aceleradas e desagregação das formas tradicionais de participação cívica, a criação artística em espaço público assume um lugar cada vez mais necessário na construção de futuros urbanos justos, conscientes e sensíveis. O livro Quando saímos à rua, que lugar queremos encontrar? Arte em espaço público e placemaking emerge deste contexto como uma contribuição estruturante para o pensamento crítico e a ação cultural no espaço público. Mais do que uma compilação de práticas ou uma coleção de ensaios, esta publicação é uma tomada de posição estratégica e politicamente clara: uma defesa da criação artística como parte integrante das políticas públicas de desenvolvimento urbano e cultural, e como dispositivo de escuta, mediação, reparação e imaginação coletiva.
A obra integra o projeto de desenvolvimento setorial Outdoor Arts Portugal, promovido pela Bússola, com o apoio da República Portuguesa, através da Direção-Geral das Artes, e dirige-se a artistas, programadores, técnicos municipais, urbanistas, arquitetos, investigadores e decisores políticos. Com edição bilingue (português/inglês), o livro reúne contributos de autores nacionais e internacionais que cruzam prática, pensamento e ação cultural no espaço público, articulando de forma coerente uma reflexão sobre o conceito de placemaking - frequentemente apropriado de forma superficial ou instrumental -, propondo uma visão situada, ética e crítica, que reconhece a complexidade dos lugares, a diversidade dos seus usos e memórias, e a necessidade de práticas artísticas profundamente enraizadas nas dinâmicas sociais e espaciais de cada território. O placemaking é aqui entendido como um processo cultural e relacional, com potencial para regenerar sentimentos de pertença, ativar ecologias comunitárias e insurgir-se contra lógicas hegemónicas de planeamento urbano. Longe de se tratar de uma estratégia decorativa ou cosmética, a prática artística em espaço público é apresentada como um ato político, de escuta ativa, de cocriação situada e de transformação sensível do quotidiano urbano.
Redigido por profissionais com experiência direta no desenvolvimento urbano e também na programação, curadoria, gestão e investigação em criação artística em espaço público, o livro assenta numa compreensão profunda do setor, das suas metodologias e dos seus desafios. É a partir desta experiência que se constrói uma proposta clara de reforço setorial, ancorada numa leitura interseccional dos territórios e das práticas. A criação em espaço público é aqui defendida como um domínio artístico com legitimidade própria, que não deve ser subvertido às lógicas do mercado nem reduzido à sua capacidade de gerar impacto económico imediato. A obra chama a atenção para a urgência de criar condições estruturais adequadas para o desenvolvimento deste domínio: modelos de financiamento compatíveis com processos longos, reconhecimento das suas especificidades nos instrumentos de política cultural, valorização da mediação e da participação crítica, e integração efetiva nas políticas de desenvolvimento urbano sustentável.
A publicação dirige-se a uma diversidade de públicos profissionais e institucionais: artistas, programadores, curadores, investigadores, técnicos municipais, urbanistas, arquitetos, gestores culturais, responsáveis políticos e todos os que trabalham no cruzamento entre cultura, espaço público e transformação territorial. Oferece ferramentas úteis para o desenho de políticas públicas integradas e para o aprofundamento de práticas culturais em articulação com as necessidades e aspirações das comunidades. Explora conceitos fundamentais como justiça espacial, dramaturgia expandida, direito à cidade, reparação simbólica, corresponsabilidade e escuta radical - organizando um léxico contemporâneo que permite repensar a ação cultural no espaço público a partir de uma base partilhada e operativa.
No plano político, a publicação afirma-se como manifesto em defesa da cultura como infraestrutura da democracia, do espaço público como bem comum, e da arte como força relacional, crítica e transformadora. Recusa os discursos que instrumentalizam a arte para processos de mero rebranding urbano ou para validar processos de gentrificação e exclusão, e propõe uma visão em que a criação artística é entendida como parte essencial da construção de cidades mais justas, cuidadoras e habitáveis. Neste sentido, o livro alerta também para os perigos da fetichização da participação, para os limites da mediação simbólica quando não acompanhada de compromissos estruturais, e para a necessidade de proteger os processos artísticos do risco da captura política ou económica.
O título Quando saímos à rua, que lugar queremos encontrar? funciona simultaneamente como pergunta provocatória e horizonte de ação. Convida-nos a olhar o espaço público não como paisagem de consumo ou lugar de passagem, mas como território de disputa simbólica, de exercício de cidadania e de construção de espaço partilhado. A partir dessa pergunta, o livro estrutura um convite à ação informada, crítica e coletiva: por políticas culturais comprometidas com os territórios e com as pessoas que os habitam; por estruturas de apoio que valorizem o tempo, o cuidado e a escuta como dimensões centrais do trabalho artístico; por um setor cultural mais plural, solidário e capaz de produzir impacto real na vida social e urbana.
A publicação é também um contributo relevante para os atuais debates europeus sobre cultura e cidade. Num momento em que se exige maior articulação entre as agendas culturais e os objetivos de desenvolvimento sustentável, este livro oferece um modelo de pensamento e de ação que pode informar estratégias de governação local, redes de cooperação internacional, programas de financiamento europeu e projetos de regeneração urbana participativa. Valoriza as práticas que se constroem fora dos grandes centros, nos interstícios e nas margens, e reconhece o valor da descentralização, da escuta intersetorial e da experimentação. Reivindica ainda o papel da criação artística em espaço público como ferramenta válida para ativar vínculos, tornar visíveis os invisíveis, e reimaginar coletivamente aquilo que o espaço público pode ser.
Com base em experiências acumuladas no terreno - em práticas curatoriais, programações sustentadas, processos de participação comunitária e projetos internacionais de cooperação artística - o livro não só reflete sobre o que foi feito, como projeta caminhos para o que pode e deve ser feito. Constitui, por isso, um documento estratégico que pode apoiar decisores públicos, promotores culturais, agentes de mediação e estruturas de formação na construção de políticas, programas e práticas mais coerentes, equitativas e eficazes.
O prefácio é assinado por Charles Landry, considerado uma autoridade internacional quando o assunto é a cidade, autor do conceito de “cidade criativa”, cuja obra influenciou políticas culturais e urbanas em várias geografias. O seu texto introduz o livro com uma chamada clara à imaginação política e à centralidade do cuidado na cidade contemporânea.
Entre os autores convidados destacam-se:
- Jamie Bennett, ex-diretor da ArtPlace America (EUA), com um texto sobre cultura centrada nas pessoas e o impacto do investimento artístico nos territórios.
- Karine Décorne, cofundadora da Migrations (País de Gales), com uma reflexão sobre o papel da curadoria artística em geografias rurais e não metropolitanas.
- Rachel Clare, fundadora da Crying Out Loud (Reino Unido), que propõe um ensaio sobre risco, desconforto e transformação na criação artística em espaço público.
- Ramon Marrades, urbanista e diretor da Placemaking Europe, que assina um texto sobre o futuro do placemaking como prática crítica.
A coordenação editorial esteve a cargo de Bruno Costa e Daniel Vilar (Bússola), que assinam também contributos autorais na interseção dos conceitos de placemaking com a dimensão da arte em espaço público. A publicação inclui ainda textos de Sud Basu e Tiago Mota Saraiva, e encerra com um posfácio de Luís Sousa Ferreira, uma das vozes mais relevantes na articulação entre cultura e desenvolvimento territorial em Portugal.
No seu conjunto, Quando saímos à rua, que lugar queremos encontrar? é uma afirmação clara da arte como ato público e transformador. Uma ferramenta de reflexão crítica e de ação setorial sustentada. Uma proposta para quem acredita que a cultura é um direito e um bem comum - e que o espaço público, longe de ser um dado adquirido, é um território a ser permanentemente cuidado, disputado e reinventado.
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