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O caldeirão dos Balcãs - a eterna periferia da Europa.
Há sempre algo a ferver à superfície. Também o circo contemporâneo tem vindo a desenvolver-se “sob a superfície” nos últimos vinte anos - por baixo das camadas daquilo a que se chama arte reconhecida.
Começámos do zero, num espaço geográfico sem uma tradição circense enraizada (com exceção da Albânia - embora este texto diga sobretudo respeito à Croácia, Eslovénia e Sérvia), sem escolas de circo e com um conhecimento muito limitado sobre o desenvolvimento do circo contemporâneo na Europa Ocidental. Os primeiros passos foram dados por grupos informais de artistas de rua, cujas atividades foram rapidamente mercantilizadas - uma estratégia de sobrevivência que continua a ser comum entre os artistas de circo na nossa região.
Ao longo dos anos, começaram a surgir organizações no seio da cena independente, com o objetivo de desenvolver o circo contemporâneo. Durante anos, o trabalho nessas organizações foi inteiramente voluntário. As competências foram sendo adquiridas através de workshops orientados por artistas convidados, que partilhavam os seus conhecimentos por valores simbólicos, uma vez que os projetos eram - e continuam a ser - cronicamente subfinanciados.
Atualmente, existem cerca de trinta organizações ligadas ao circo a operar na região. Algumas dedicam-se à formação, outras à criação artística, e a maioria combina ambas as vertentes.
Em 2021, foi fundada na Croácia a Associação de Artistas de Circo Contemporâneo - a primeira estrutura de âmbito nacional neste domínio artístico. Tem desenvolvido um trabalho ativo de advocacy e registado avanços importantes - sobretudo no que diz respeito ao financiamento por parte do Ministério da Cultura. Ainda assim, o circo continua a não ser formalmente reconhecido como uma forma de arte contemporânea.
Esta realidade mantém-nos numa zona cinzenta - os artistas de circo não têm estatuto oficial de artista, nem acesso a direitos como segurança social, cuidados de saúde ou reforma, e ficam desprotegidos em momentos de crise, como aconteceu durante a pandemia. O circo continua a ser encarado como um passatempo. Os jovens que recebem formação em circo não o encaram como uma profissão viável - o que tem um impacto direto no número de artistas profissionais e criadores de circo contemporâneo.
Nos últimos anos, alguns jovens partiram para estudar em França, Itália e Espanha - frequentando escolas preparatórias ou formando-se como docentes de circo. Mas, mesmo quando regressam, não têm onde trabalhar. A ausência de espaços adequados e a falta de colaboração entre os teatros e a cena circense local significa que não existem condições para ensinar, ensaiar, criar ou apresentar espetáculos. Este problema da falta de espaço é comum à Croácia, Sérvia e Eslovénia.
Dispor de um espaço adequado é fundamental: garante a continuidade do trabalho, o encontro da comunidade, a criação, a formação e o desenvolvimento de públicos. Atualmente, trabalhamos em espaços a que só temos acesso pontualmente, ou em locais exíguos e tecnicamente inadequados, ou ainda em espaços pelos quais pagamos demasiado. Em breve, o único espaço totalmente equipado - o espaço da Cirkus Kolektiv, em Split - deixará de estar disponível, por entrar em obras de requalificação. Até a tenda do CirkoBalkana, embora seja um recurso precioso, está disponível apenas durante alguns meses por ano.
A falta de espaço põe em risco, de forma direta, o desenvolvimento de públicos - é difícil construir continuidade quando cada apresentação acontece num local novo e desconhecido. Tudo isto compromete a sustentabilidade do nosso trabalho e torna-nos dependentes de um financiamento institucional instável e insuficiente.
O buraco negro referido no título diz respeito precisamente a esta situação cada vez mais crítica no que toca aos espaços - pior do que há dez anos. Juntamente com os espaços, estamos a perder pessoas, continuidade e os frutos de muitos anos de trabalho.
Como enfrentamos estes desafios?
Inventando, constantemente, novas formas de manter a nossa existência e desenvolver o circo contemporâneo.
Com consciência geracional - investimos tudo o que temos: recursos pessoais, públicos, emocionais e materiais para construir uma base para quem vier depois de nós.
Seguimos o lema: Juntos somos mais fortes.
Há anos que colaboramos através de projetos que visam o fortalecimento do setor.
Organizamos festivais em espaços fechados e ao ar livre que aumentam a visibilidade da cena e reúnem artistas locais e internacionais de renome.
Através da rede de residências de circo, oferecemos apoio à produção de artistas da região.
Enquanto membros do circusnext e da Circostrada Network, mantemos ligação com o resto da Europa, promovemos a circulação de informação e abrimos novas oportunidades para os artistas locais.
Ligamo-nos também a artistas de outros setores - através de exposições, sessões de cinema, concertos e programas de rádio - aproximando o circo dos seus públicos.
A Associação de Artistas de Circo Contemporâneo publica um relatório anual que documenta a atividade circense na Croácia e organiza laboratórios que elevam a qualidade artística e promovem a reflexão crítica sobre o circo.
A nível local, batemos todos os dias às portas das autoridades municipais - procuramos espaço, procuramos reconhecimento.
Neste momento, em parceria com entidades de França, estamos a lançar um projeto que visa reforçar a mobilidade internacional das produções da região.
Somos todos, ao mesmo tempo, artistas, formadores, produtores, técnicos, pessoal de limpeza, frente casa, jornalistas, designers gráficos - entusiastas e teimosos - com a esperança de que, um dia, cada uma destas funções seja desempenhada por uma pessoa dedicada.
Precisamos mudar uma lâmpada?
Fotografia: © Josip Bolonić.
Jadranka Žinić Mijatović é artista de circo, produtora e docente, natural de Zagreb. É cofundadora e coordenadora de programação da associação Cirkorama, integra a equipa do CirkoBalkana e faz parte da direção da Associação de Artistas de Circo Contemporâneo.
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