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Nem todos os espaços se tornam lugares. Algumas ruas são apenas caminhos, locais de passagem, sem história nem identidade. Mas, por outro lado, há lugares que resistem ao anonimato, onde o tempo se faz sentir nas paredes, onde as memórias permanecem e o futuro, mesmo sem ter chegado, já é visível. O que separa um do outro? Talvez seja a maneira como os vivemos.
Um espaço pode ser apenas um cruzamento sem nome, um edifício erguido para uma função, sem outro significado. Já um lugar carrega marcas, tem história, é habitado pelas vidas que o atravessaram e pelas histórias que ali ficaram. Torna-se o cenário improvisado de conversas, opiniões e manifestações, de encontros inesperados e memórias partilhadas.
E o presente, como estamos a viver este momento fugaz em que tudo acontece? Cada vez mais, os espaços parecem ser apenas pontos num mapa, definidos por trajetos apressados e impessoais. Passamos pelos lugares sem realmente os ver, reduzindo-os à sua função e esquecendo-lhes o significado. O tempo encolheu, a pressa tomou conta dos passos e os espaços tornaram-se simples cenários, num ciclo diário de eficiência. Mas um lugar não se mede pela rapidez com que se atravessa. Mede-se pela intensidade com que é vivido.
É preciso quebrar essa rotina, estabelecer novas bases, criar novas perspetivas e pontos de referência para que um sítio se transforme num lugar. E, nesse instante, o presente deixa de ser apenas atravessado, passa a ser vivido. Na obra The Practice of Everyday Life (1984), Michel de Certeau explora como as pessoas "se apropriam" dos espaços no seu quotidiano.
Porque um lugar só se torna verdadeiramente lugar quando alguém o sente, quando nele se demora e o reconhece como parte de si. Talvez esse seja o maior desafio: aprender a olhar para os espaços que habitamos, para que, um dia, sejamos parte da sua história. E é aqui que entra o conceito de placemaking.
Embora o termo "placemaking" tenha ganho destaque nas últimas décadas, associado principalmente a práticas de urbanismo participativo e regeneração de espaços públicos, a ideia que lhe dá corpo é muito mais antiga. Kevin Lynch, em The Image of the City (1960), remonta à forma como as comunidades sempre transformaram territórios em lugares, através do uso, do encontro e da vivência coletiva. Hoje, o placemaking é um processo colaborativo que procura reaproximar as pessoas dos lugares que habitam. Não é apenas uma tendência criativa ou uma ferramenta de reabilitação urbana, mas uma prática concreta que responde a um problema real: a perda de conexão entre os espaços e as comunidades. Ao restaurar essa ligação, o placemaking coloca as pessoas no centro, respeitando os seus ritmos, necessidades e histórias.
Este processo não se baseia em soluções impostas, mas procura identificar as oportunidades e motivações que já existem no território. Cada espaço é único, e o que funciona num bairro urbano pode não ter o mesmo impacto numa aldeia do interior. Por isso, o placemaking exige proximidade, leitura atenta e uma grande capacidade de adaptação. As intervenções podem assumir várias formas: desde a criação de jardins comunitários até à organização de eventos culturais, da instalação de mobiliário urbano à reativação de praças que sirvam de espaço para a apresentação de espetáculos. O mais importante é que essas transformações façam sentido para quem ali vive e visita.
Muitas vezes, não são necessárias grandes obras para gerar um impacto significativo. São os pequenos investimentos que podem transformar um espaço: um banco à sombra de uma árvore, um jardim que serve para ser usado e não apenas para ser observado, uma rua que se torna num local de encontro. Essas pequenas intervenções não só tornam os espaços mais funcionais, mas também promovem a confiança, reforçam os laços sociais e incentivam a apropriação positiva do território.
O placemaking é também um convite à reflexão sobre como vemos e vivemos os espaços. Não se trata de transformar tudo à força, mas de escutar o que cada lugar tem a oferecer e criar experiências que fortaleçam a relação entre as pessoas e os espaços que habitam.
Fotografia: © Alexander Van Steenberge
Bruno Costa é doutorado em Estudos Culturais pela Universidade de Aveiro e mestre em Gestão das Indústrias Criativas pela Universidade Católica Portuguesa (UCP). A sua investigação centra-se na construção da identidade europeia, com especial foco nos processos de internacionalização de projetos artísticos e na cooperação cultural europeia. É docente convidado na UCP, onde leciona a unidade curricular Parcerias, Redes e Internacionalização nas Indústrias Criativas, e integra os comités de governação da Circostrada Network e da IN-SITU - plataforma europeia de criação artística em espaço público. Como co-director da Bússola, o seu percurso profissional tem-se focado nas áreas da estratégia, planeamento, financiamento e gestão aplicadas ao setor cultural e criativo.
Daniel Vilar é gestor cultural e de marketing, com um foco nas dinâmicas culturais, turísticas e territoriais. É mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto e licenciado em Gestão de Marketing pelo IPAM. Como co-director da Bússola e da Outdoor Arts Portugal, o seu percurso profissional tem-se centrado no planeamento e implementação de iniciativas culturais estratégicas e na promoção de cidades criativas, tanto a nível nacional como internacional. O seu trabalho contribui para a definição de políticas públicas, estratégias de comunicação cultural e desenvolvimento territorial. Participa regularmente em conferências nas áreas da estratégia, comunicação, marketing e desenvolvimento regional. Na sua atividade está comprometido com o desenvolvimento estratégico dos projetos culturais e dos territórios em que se inserem.
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