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Quando uma cidade se propõe a ser Capital Europeia da Cultura, não se trata apenas de redigir uma candidatura. Pensa-se numa narrativa com a ambição de projetar um futuro diferente. Uma visão partilhada. Uma estratégia. Uma promessa. Mobilizam-se comunidades, instituições, artistas e decisores políticos. Colocam-se perguntas ousadas. Imagina-se o que a cidade poderia ser, caso a arte e a cultura recebessem tempo, espaço, confiança e recursos suficientes.
Foi isso que se fez. E, ainda assim, a candidatura não foi vencedora.
Contudo, o verdadeiro desafio começou após o anúncio do resultado. Não a desilusão, que foi ultrapassada, mas a pergunta silenciosa e persistente: e agora? O que fazer com um plano concebido para um palco que já não existe?
A candidatura despertou uma vaga de energia criativa. Ajudou a gerar dinamismo, visibilidade e colaboração. Durante muitos meses, viveu-se a sensação de fazer parte de algo partilhado e esperançoso. As pessoas juntaram-se, não em contextos formais, mas como colaboradoras, cada uma trazendo uma forma distinta de pensar. A cidade foi observada não meramente como era, mas também como poderia vir a ser.
Contudo, uma candidatura é uma estrutura frágil. Existe em função da avaliação, da competição, do calendário. Quando os holofotes se desviam, essa estrutura dissolve-se. O que permanece não é o mesmo plano; é um conjunto de perguntas, uma lista de conversas iniciadas e a memória do que chegou a parecer possível.
O desafio, agora, é este: como continuar a trabalhar com o mesmo sentido de urgência e de cuidado, sem o enquadramento que antes mantinha tudo unido?
O coração da nossa candidatura foi o bem-estar. Não o tratámos como uma tendência ou uma formalidade: foi a nossa tentativa de imaginar uma cidade onde as pessoas pudessem, simplesmente, viver melhor. Onde o quotidiano fosse mais leve, mais conectado. Onde a cultura não habitasse apenas nas instituições, mas circulasse discretamente pela vida diária. Observamos o que já funcionava, o que precisava de mais atenção, e como poderíamos criar condições para que as pessoas - não apenas públicos ou utilizadores - se sentissem verdadeiramente apoiadas pela cidade onde vivem.
Essa visão mantém-se. Mas o seu contexto mudou. Sem a estrutura do programa Capital Europeia da Cultura, o bem-estar corre o risco de voltar a tornar-se algo vago: um ideal simpático, mas difícil de concretizar.
O nosso desafio é manter o bem-estar como um verbo: não algo que se declara, mas algo que se pratica. Não um título, mas um fio que liga pequenas ações. Uma mesa onde artistas continuam a reunir-se para um café. Conversas honestas que demoram tempo a ganhar forma. Espaços que se vão ajustando e reabrindo, imperfeitos, talvez, mas vivos.
A partir desta base, começamos a explorar a relação entre cultura e saúde: como as práticas artísticas e culturais podem apoiar o bem-estar emocional, social e físico. Tornou-se uma das nossas áreas de interesse principais: não apenas um tema, mas um contexto de experimentação e aprendizagem.
Após a candidatura, não lançamos um novo programa. Não reconstruímos a cidade. Começamos a reunir-nos. Uma vez por mês, artistas juntam-se para conversar, partilhar frustrações, trocar ideias. Sem ordem de trabalhos. Sem pressões. Mas com uma importância fundamental.
Esses encontros formam uma espécie de infraestrutura suave: não oficial, informal, mas profundamente sustentadora. Com o seu ritmo, foi crescendo a confiança. A colaboração acontece de forma discreta, sem necessidade de autorização. As ideias ganham forma lentamente, ao seu próprio ritmo. E, através de tudo isto, mantivemo-nos ligados e curiosos. Também isso fazia parte do que a candidatura previa: criar condições para que a vida cultural de longo prazo pudesse enraizar-se, não através de gestos grandiosos, mas com continuidade e cuidado.
Isto, mais do que qualquer resultado visível, poderá ser o legado mais profundo da candidatura.
O projeto Szklane Pułapki - Armadilhas de Vidro - foi desenvolvido após o fim do processo de candidatura, como um sinal visível do legado que este deixou. Aborda uma questão urgente, mas muitas vezes invisível: a morte de aves devido a colisões com abrigos de paragem de autocarro em vidro transparente. Com o tempo, contudo, o projeto transformou-se em algo mais do que uma simples solução técnica. Passou a ser visto como o início de uma conversa mais ampla sobre os animais nos ambientes urbanos e sobre como o espaço público pode ser repensado para cuidar de todas as formas de vida.
Foi concebido e instalado um abrigo amigo das aves, com a intenção de se criar mais no futuro. Trabalhamos com grupos ambientalistas, artistas e vizinhos para imaginar o que significa partilhar a cidade: com as aves, com as árvores, uns com os outros. Isto não é apenas planeamento urbano: é cocriação, um ato cultural que se alimenta de múltiplos saberes.
O objetivo não é apenas evitar o dano, mas criar uma cidade mais acolhedora, habitável e imaginativa para todos.
Repensar o plano cultural de uma cidade após a candidatura a Capital Europeia da Cultura não significa reescrever estratégias. Implica escutar o que, silenciosamente, criou raízes: os encontros, os gestos de confiança e uma mudança na forma como se pensa o bem-estar e o cuidado.
O que permanece não é um plano diretor, mas um conjunto de hábitos. Práticas a que voltamos. Formas de observar, de ajustar, de permanecer presentes.
E talvez isso seja suficiente para recomeçar, pelo menos para nós. Para os encontros informais, as intervenções discretas, as ideias que continuam a crescer. Aquilo que aqui se descreve - as reuniões, a paragem de autocarro, os traços de cuidado - são apenas fragmentos de um quadro mais amplo, ainda em construção.
Há uma persistência silenciosa que percorre a cidade: novas tentativas, alianças inesperadas, ideias que reaparecem. A energia despertada pela candidatura continua viva, a adaptar-se e a assumir novas formas.
Fotografia: © Patryk Sawicki.
Aleksandra Kozik é animadora cultural, designer e gestora de projetos, trabalhando na interseção entre arte com envolvimento social, educação e participação comunitária. A sua prática centra-se na cocriação de espaços inclusivos com e para as comunidades locais, recorrendo frequentemente a abordagens interdisciplinares e colaborativas. É licenciada pelas Academias de Belas-Artes de Cracóvia e de Katowice. Aleksandra integrou a equipa envolvida na candidatura de Bielsko-Biała (Polónia) a Capital Europeia da Cultura 2029.
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